Uma casa com uma fundação feita desse material poderia armazenar um dia inteiro de energia produzida por painéis solares ou turbinas de vento.
[Imagem: Nicolas Chanut et al. - 10.1073/pnas.2304318120]
Bateria de concreto
Se você tiver uma conta bancária polpuda pode comprar um grande conjunto de baterias de lítio e guardar uma parte da energia produzida pelos seus painéis solares, para poder consumi-la à noite.
Mas, e se for possível transformar sua casa inteira em uma gigantesca bateria, e sem gastar quase nada?
Esta é a proposta de Nicolas Chanut e colegas do MIT, nos EUA, que demonstraram que dois dos materiais mais comuns em uso pela humanidade - cimento e negro de fumo, uma espécie de carvão muito fino - podem formar a base para um novo sistema de armazenamento de energia de baixo custo.
A ideia pertence ao conceito de armazenar a eletricidade produzida por fontes de energia renováveis tipicamente intermitentes, como energia solar, eólica e das marés, permitindo que as redes de energia permaneçam estáveis, apesar das flutuações na geração.
Os dois materiais podem ser combinados com água para fazer um supercapacitor, uma tecnologia de armazenamento de energia elétrica alternativa às baterias.
A equipe garante que o supercapacitor poderia ser incorporado à fundação de concreto de uma casa, onde poderia armazenar energia para um dia inteiro, acrescentando pouco (ou nenhum) custo à construção e ainda fornecendo a força estrutural necessária. Os pesquisadores também imaginam uma estrada de concreto, que poderia fornecer recarga sem contato para carros elétricos enquanto eles trafegam por essa estrada.
Protótipos do supercapacitor construídos pela equipe, que agora pretende ampliá-los.
[Imagem: Franz-Josef Ulm/Admir Masic/Yang-Shao Horn]
Supercapacitor de cimento, carbono e água
O princípio de funcionamento dos capacitores é muito simples: Eles são constituídos por duas placas eletricamente condutoras imersas em um eletrólito e separadas por uma membrana. Quando uma voltagem é aplicada através dos dois polos, íons carregados positivamente do eletrólito se acumulam na placa carregada negativamente, enquanto a placa carregada positivamente acumula íons carregados negativamente.
Como a membrana entre as placas impede que os íons carregados migrem, essa separação de cargas cria um campo elétrico entre as placas e o capacitor fica carregado - a quantidade de energia que um capacitor pode armazenar depende da área total da superfície de suas placas condutoras. E as duas placas podem manter essa carga por um longo tempo, liberando-a muito rapidamente quando necessário. Supercapacitores são simplesmente capacitores que podem armazenar cargas excepcionalmente grandes.
A chave para os novos supercapacitores foi o desenvolvimento de um método de produção de um material à base de cimento com uma área de superfície interna extremamente alta, graças a uma rede densa e interconectada gerado por um material condutor inserido em seu interior. Os pesquisadores conseguiram isso introduzindo negro de fumo - que é altamente condutor - em uma mistura de cimento e água e deixando-a curar.
A água forma naturalmente uma rede ramificada de aberturas dentro da estrutura à medida que reage com o cimento, e o carbono migra para esses espaços, criando estruturas semelhantes a finos dutos dentro do cimento endurecido, só que em uma arquitetura muito intrincada, semelhante a um fractal, com galhos maiores brotando de galhos menores, e aqueles brotando de galhos ainda menores, e assim por diante. E a quantidade de carbono necessária é muito pequena, apenas 3% em volume da mistura - mais do que isso e o concreto começa a perder resistência.
O material é então embebido em um material eletrolítico padrão, como o cloreto de potássio, uma espécie de sal, que fornece as partículas carregadas que se acumulam nas estruturas de carbono. Dois eletrodos feitos desse material, separados por um espaço fino ou uma camada isolante, dão o acabamento final, formando um supercapacitor muito potente.
As duas placas do capacitor funcionam exatamente como os dois pólos de uma bateria recarregável: Quando conectados a uma fonte de eletricidade - funcionando como um carregador - a energia é armazenada nas placas; e, quando conectados a uma carga, a corrente elétrica flui para fornecer energia.
"O material é fascinante porque você tem o material sintético mais usado no mundo, o cimento, que é combinado com negro de fumo, que é um material histórico bem conhecido - os Manuscritos do Mar Morto foram escritos com ele. Você tem esses materiais de pelo menos dois milênios de idade que, quando combinados de uma maneira específica, resultam em um nanocompósito condutor, e é aí que as coisas ficam realmente interessantes," disse o professor Admir Masic.
De baterias-botão a baterias-casa
O concreto de energia pode formar a base para sistemas baratos que armazenam energia renovável intermitente, como energia solar ou eólica.
[Imagem: Franz-Josef Ulm/Admir Masic/Yang-Shao Horn]
A equipe calculou que um bloco de concreto dopado com nanocarbono com 45 metros cúbicos - equivalente a um cubo de cerca de 3,5 metros de lado - teria capacidade suficiente para armazenar cerca de 10 quilowatts-hora de energia, que é o consumo médio diário de eletricidade de uma residência.
Como o concreto não perde resistência ao funcionar como supercapacitor, uma casa com uma fundação feita desse material poderia armazenar um dia de eletricidade produzida por painéis solares ou moinhos de vento, permitindo que ela fosse usada sempre que necessário.
Mas tudo ainda está em estágio inicial.
Depois de uma série de testes para determinar as proporções mais eficazes de cimento, negro de fumo e água, a equipe demonstrou seu supercapacitor na forma de protótipos do tamanho de baterias tipo botão, com cerca de 1 centímetro de diâmetro e 1 milímetro de espessura - eles acumularam até 1 volt, o que é comparável a uma bateria comum desse formato. Os pesquisadores então conectaram três desses supercapacitores tipo botão, que alimentaram um LED de 3 volts.
Tendo provado o conceito, a equipe agora planeja construir uma série de versões maiores, começando com o tamanho de uma bateria de carro de 12 volts, depois trabalhando até uma versão de 45 metros cúbicos para demonstrar sua capacidade de armazenar o equivalente a "uma casa de energia".
Outra aplicação potencial para os supercapacitores de cimento e carbono é a construção de estradas de concreto, que armazenem eletricidade produzida por painéis solares ou turbinas eólicas ao longo da estrada e, em seguida, forneçam essa energia para veículos elétricos usando o mesmo tipo de tecnologia de recarregamento sem fios. Sistemas de recarga de carros desse tipo já estão sendo desenvolvidos por empresas na Alemanha e nos Países Baixos, mas usando baterias comuns para armazenamento.