Protótipo da bacteria, que é tecnicamente uma célula de combustível microbiológico do solo.
[Imagem: Universidade Bath]
Bacteria, sem acento
Uma célula a combustível que usa germes do solo para gerar energia, apresentada em 2020 por pesquisadores da Universidade de Bath, no Reino Unido, acaba de passar para a fase de empreendedorismo, com os pesquisadores fundando uma empresa para tentar comercializar a tecnologia.
É uma espécie de bateria alimentada por bactérias - uma "bacteria" - que coleta energia produzida naturalmente pelos microrganismos do solo. A base técnica dessa bateria é na verdade uma célula a combustível microbiana, que é versátil o suficiente para ser usada diretamente em outras aplicações que não meramente o armazenamento de eletricidade.
O protótipo mais recente, por exemplo, foi testado no Brasil, em Icapuí, uma vila de pescadores no Ceará, para purificar água, fornecendo água potável a partir da água da chuva sem a necessidade de conexão do sistema à rede elétrica.
Os testes conseguiram purificar até três litros de água por dia, suficiente para uma pessoa, mas a equipe tem trabalhado para refinar o projeto do equipamento e atingir a capacidade de produzir água necessária para o consumo diário de uma família. E a equipe quer mais.
"O nosso objetivo inicial é acelerar a mudança para a digitalização no setor agrícola," disse o pesquisador Jakub Dziegielowski, que lidera a empresa emergente, batizada de Bactery, uma junção dos termos bateria e bactéria. "O objetivo do piloto no Brasil foi provar o conceito e demonstrar a possibilidade de utilizar o solo como fonte de eletricidade, para alimentar algo substancial. No nosso caso foi um reator eletroquímico de tratamento de água."
Teste do protótipo para produzir água potável.
[Imagem: Bactery]
Ligue e esqueça
Ao contrário das baterias comuns, que precisam ser recarregadas, a tecnologia microbiana promete uma funcionalidade do tipo "instale e esqueça", com uma vida útil estimada pelos pesquisadores em mais de 25 anos.
A equipe afirma que passará o próximo ano refinando seus protótipos, com o objetivo de iniciar a produção em pequena escala em 2026, a um custo estimado em US$32,00 (R$170,00) por bateria, sem especificar a capacidade do produto. Para isso, contudo, há desafios técnicos a serem vencidos, sobretudo para a passagem da escala de laboratório para a escala industrial.
Uma dificuldade para esse escalonamento é que o ambiente operacional ao redor das raízes das plantas deve ser anaeróbico - livre de oxigênio - para evitar que os elétrons livres se liguem ao oxigênio, o que inviabiliza a geração de eletricidade. Isso exige que, ou a bateria seja instalada em locais onde as raízes das plantas estejam submersas, ou que o solo seja preparado para garantir as condições anaeróbicas, o que pode tornar a instalação mais cara.
"Sim, há necessidade de condições anaeróbicas em torno de um dos eletrodos," reconheceu Dziegielowski. "Você pode instalar a tecnologia em ambientes que acomodem isso ou semiprojetar o ambiente para minimizar a dependência da umidade."
Pesquisadores brasileiros estão ajudando a aprimorar a tecnologia, que ainda enfrenta desafios para comercialização.
[Imagem: Bactery]
Como funciona a bateria a bactérias?
A célula de combustível microbiológico do solo gera energia a partir da atividade metabólica de microrganismos específicos (eletrígenos ou eletrogêneos) naturalmente presentes no solo, que são capazes de transferir elétrons para fora de suas células.
O sistema consiste em dois eletrodos à base de carbono, posicionados a uma distância fixa (4cm) e conectados a um circuito externo. Um eletrodo, o ânodo, é enterrado no solo, enquanto o outro, o cátodo, é exposto ao ar, na superfície do solo. Os eletrogêneos migram para a superfície do ânodo e, à medida que "consomem" os compostos orgânicos presentes no solo, geram elétrons. Esses elétrons são transferidos para o ânodo e viajam até o cátodo através do circuito externo, gerando um fluxo de eletricidade.
Essa eletricidade pode ser armazenada para consumo posterior usando baterias comuns, ou pode ser consumida diretamente, para alimentar sensores ligados à agricultura, por exemplo, que é o objetivo primário da equipe.
"Temos a missão de abordar a deficiente infraestrutura energética nas explorações agrícolas e acelerar a mudança para uma agricultura baseada em dados. Com as nossas 'bacterias', a preocupação com a substituição de baterias ou com infraestruturas energéticas dispendiosas será coisa do passado. Basta instalar e aproveitar os benefícios de dados confiáveis," propõe a equipe.